Em uma decisão histórica, a Vara da Justiça Militar de Pernambuco reconheceu que a policial militar e advogada Mirella Virgínia não cometeu qualquer crime ao publicar um vídeo em que denunciava abusos institucionais e pedia ajuda após desenvolver um quadro de adoecimento psíquico durante sua atuação na Polícia Militar. O julgamento, realizado de forma online com participação do Ministério Público, encerra um processo iniciado em 2021 e representa uma vitória simbólica e jurídica para Mirella, que há anos busca o reconhecimento das violações que sofreu.
Mirella foi expulsa da PMPE em setembro de 2023, dois anos após divulgar um vídeo em que, visivelmente abalada e sob efeito de medicamentos, apelava à cúpula da corporação e à Corregedoria da Secretaria de Defesa Social. Na gravação de 20 minutos, feita em setembro de 2021, ela detalhava o processo de adoecimento psicológico provocado pelas condições de trabalho, relatando crises de ansiedade e episódios de depressão.
“Eu só pedi ajuda. Fui tratada como criminosa por expor o que estava me adoecendo. Isso não é justiça, é silenciamento”, declarou Mirella na época de sua expulsão. Ela chegou a ser incluída em uma lista com policiais afastados por crimes graves, como homicídio e roubo — mesmo sem nunca ter respondido por qualquer infração penal.
Ao longo de sua trajetória, Mirella registrou diversos protocolos na Corregedoria da SDS, denunciando assédio moral, sexual, abusos de poder e perseguições. Nenhuma das denúncias prosperou; muitas foram arquivadas sem investigação. Em resposta à expulsão, ela ingressou com dois recursos administrativos — um junto à SDS e outro ao Governo de Pernambuco.
A mobilização de organizações de direitos humanos e o apoio do Conselho Nacional de Direitos Humanos foram fundamentais para mudar os rumos do caso. Em outubro de 2023, a governadora Raquel Lyra anulou oficialmente a expulsão da policial e determinou sua reintegração à corporação. Devido ao diagnóstico de estresse pós-traumático, Mirella foi transferida para a reserva remunerada.
Mesmo após a reintegração, Mirella seguiu buscando justiça. Para ela, seu caso precisava se tornar um exemplo e alerta sobre a forma como a saúde mental dos profissionais de segurança pública — especialmente mulheres — é negligenciada. Agora, quase dois anos após sua exclusão da PM, a reparação que ela tanto buscava se concretiza.
“A decisão foi publicada recentemente. Juridicamente, estamos aguardando o trânsito em julgado, que é o momento em que não cabe mais recurso. A partir disso, a decisão se tornará definitiva e começará a produzir todos os seus efeitos”, explicou Rafael Caldeira, advogado de Mirella.
“No julgamento, não se discutiu reparação. O objetivo era apenas apurar se ela havia cometido algum crime — e ficou decidido que não”, concluiu o advogado.
Na decisão da ação penal militar, o Conselho Permanente de Justiça absolveu Mirella por unanimidade, reconhecendo que ela não cometeu nenhuma infração penal. Dessa forma, não deveria ter sido punida nem expulsa da corporação.
Em entrevista à Marco Zero Conteúdo, Mirella relatou como foi a audiência que selou sua absolvição:
“Por volta das nove da manhã, entramos na sala onde meu caso seria julgado por quatro juízes militares e um juiz togado. Eles formavam o Conselho Permanente de Justiça que iria decidir se eu havia cometido crime militar ou se, de fato, fui vítima de assédio moral e sexual, como vinha denunciando desde 2018.
Foram mais de cinco horas de discussão. E foi emocionante. O Ministério Público iniciou a audiência reconhecendo que eu fui vítima de assédio ao longo de minha carreira e pediu que os juízes olhassem para meu caso como algo que não deve se repetir. Eles disseram que eu merecia reparação, que os autos comprovavam minha condição de vítima.
Todos os juízes militares se desculparam. Disseram que eu nunca deveria ter passado por isso, reconheceram que fui vítima e que minha honra precisava ser restaurada. No fim, eles extinguiram o processo com base no entendimento de que eu fui violentada e que minha história precisa servir como base para políticas públicas voltadas à proteção das mulheres na corporação.”
A decisão representa não apenas a restauração da honra de Mirella Virgínia, mas também um marco na luta contra o silenciamento de policiais vítimas de violência institucional e no debate sobre saúde mental na segurança pública.
giovanna carneiro / marco zero
Publicado em 15/04/2025
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