A incoerência dentro da coerência política

 

Por Bruno Oliveira

Na sessão que marcou o retorno das atividades parlamentares ao segundo período de 2025, a Câmara Municipal de Buenos Aires aprovou, quase simultaneamente, as contas de dois ex-prefeitos: Gislan Alencar, relativas ao exercício de 2013, e Fabinho Queiroz, referentes ao ano de 2022. Um ato que, à primeira vista, poderia parecer um gesto de maturidade política e institucional. Mas, como quase tudo na política, a leitura dos fatos vai muito além do que está registrado em ata.


Sob uma ótica racional e lógica, se as contas de Gislan foram aprovadas, era de se esperar que as de Fabinho também o fossem — e vice-versa. Afinal, os critérios técnicos não deveriam variar de acordo com o protagonista. Ambas as prestações de contas passaram por análise técnica do Tribunal de Contas, contaram com defesas fundamentadas e foram submetidas à deliberação dos parlamentares locais.


No entanto, a política, especialmente a política municipal, é um campo onde as lógicas nem sempre se impõem. O que se observa muitas vezes são narrativas construídas para manter a coerência partidária ou os alinhamentos estratégicos de momento. E é aí que surge a chamada “incoerência dentro da coerência política”.


Por mais contraditório que pareça, a política tem suas próprias regras de coerência. Um vereador, por exemplo, pode votar contra a aprovação das contas de um ex-prefeito, não por convicção técnica, mas por necessidade de manter seu discurso, sua base eleitoral ou sua fidelidade a um grupo político. Nesse cenário, ser “coerente” com o seu grupo pode implicar em ser “incoerente” com a razão técnica. Isso é um desvio? Talvez. Mas é, inegavelmente, parte do jogo político.


É importante, no entanto, fazer uma ressalva: os vereadores que votaram mantiveram suas posturas com coragem, enfrentando o julgamento popular que virá, sem dúvida, nas ruas e nas urnas. Cada um defendeu aquilo que acredita, ou aquilo que seu projeto político exige que se acredite. É o ônus de quem ocupa cargo público e precisa tomar decisões que, muitas vezes, não agradam a todos.


A aprovação das contas de Gislan e Fabinho, mesmo que em contextos distintos e com votos marcados por posicionamentos divergentes, evidencia um ponto sensível da política local: a dificuldade de separar o julgamento técnico do julgamento político. E, mais ainda, a dificuldade de explicar à população que, às vezes, se vota “contra” ou “a favor” não por convicção, mas por estratégia.


No fim das contas, o que fica para o eleitor atento é a necessidade de compreender melhor os bastidores e os códigos da política local. Porque, em Buenos Aires, como em qualquer outro lugar, a coerência política é, muitas vezes, apenas o nome elegante que se dá a uma velha conhecida: a conveniência.


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